MIGUEL TORGA
VIDA
Adolfo Correia da Rocha, que será conhecido por Miguel Torga, nasce em 12 de Agosto de 1907, em S. Martinho da Anta, concelho de Sabrosa, Trás-os-Montes. Filho de gente do campo, não mais se desliga das origens, da família, do meio rural e da natureza que o circunda. Mesmo quando não referidos, estão sempre presentes o Pai, a Mãe, o professor primário Sr. Botelho, as fragas, as serranias, a magreza da terra, o suor para dela arrancar o pão, os próprios monumentos megalíticos em que a região é pródiga. Entra no Seminário, donde sai pouco depois. Emigra para o Brasil em 1920. Trabalha na fazenda do tio, é a dureza da "capinagem" do café. O tio apercebe-se das suas qualidades. Paga-lhe ingresso e estudos no liceu de Leopoldina, onde os professores notam as suas capacidades. Regressa a Portugal em 1925. Entra da Faculdade de Medicina de Coimbra. Participa moderadamente na boémia coimbrã. Ainda estudante publica os seus primeiros livros. Com ajuda financeira do tio brasileiro conclui a formatura em 1933. A família é um dos pontos fulcrais da sua vida. O pai, com quem a comunicação se faz quase sem necessidade de palavras, é um dos fortes esteios da sua ternura, amor e respeito. Recorda os braços do pai pegando pela primeira vez na neta, recém nascida. O mesmo amor em poemas dedicados à mãe. Por sua mulher e filha um afecto profundo, também. Uma parcela de arrogância, um certo distanciamento dos homens, timidez comum aos homens vindos dos meios humildes:
Nem sempre escrevi que sou intransigente, duro, capaz de uma lógica que toca a desumanidade. (...) Nem sempre admiti que estava irritado com este camarada e aquele amigo. (...) A desgraça é que não me deixam estar só, pensar só, sentir só.
O desejo de perfeição absoluta e de verdade:
Que cada frase em vez de um habilidoso disfarce, fosse uma sedução (...) e um acto sem subterfúgios. Para tanto limpo-a escrupulosamente de todas as impurezas e ambiguidades.
Não dá nada a ninguém, diz-se. Imensas consultas gratuitas como médico, desmentem a atoarda. Não dispõe de recursos folgados, confidencia a alguns amigos. Compreende-se: por motivos políticos, a sua mulher, Profª. Andrée Crabbé Rocha, é proibida de leccionar e, ao longo dos anos iniciais, altos são os custos editoriais do que publica... A ideia da morte e da solidão acompanham-no permanentemente. Desde criança mantêm-se presentes no corpo e no espírito. Dos vinte e cinco poemas insertos no último volume do Diário, cerca de metade evocam-nas. Não porque atinja já uma idade relativamente avançada ou sofra de doença incurável. Na casa dos quarenta e até antes, já o envolvem. Não se traduzem em medo, mas no sentido do limite. Criança ainda, uma noite, sozinho, (...) desamparado e perplexo, assiste à morte do avô. O que não será estranho à obsessão. No enterro de Afonso Duarte, ao fazer o elogio fúnebre afirma que a morte purifica os sentimentos. O homem é, por desgraça, uma solidão: Nascemos sós, vivemos sós e morremos sós. Viajante incansável por todo o país e estrangeiro. Visita a China e a Índia já próximo dos oitenta anos.
Pareço um doido a correr esta pátria e nem chego a saber por quê tanta peregrinação. Os monumentos entusiasmam-no. Os Jerónimos, a Batalha e Alcobaça têm sentido na Alma da nação. Mafra é uma estupidez que justifica uma punição aos reis doiros que fizeram construir o convento. Os monumentos paleolíticos fascinam-no.
Sou uma encruzilhadas de duas naturezas. De variadíssimas, dirá quem bem o conhece...
Morre em Coimbra a 17 de Janeiro de 1995. Enterrado em S. Martinho da Anta, junto dos pais e irmã.
Decide adoptar o pseudónimo de Torga. Não escolhe o nome por acaso. Torga, ou urze, planta bravia, humilde, espontânea e com o seu habitat no chão agreste por todo o Portugal, mas particularmente nas serranias do norte, é o correspondente no reino vegetal dessa força que será o poeta e o prosador.
PRÉMIOS
Jorge Amado considerá-lo-á acima dos prémios, inclusive do Nobel, para que é proposto em 1960. Sem êxito, possivelmente por interferências do Poder de então. Voltará a ser considerado uns anos mais tarde, não lhe tendo sido atribuído, como se sabe.
Não pretendendo mostrá-lo, os amigos entrevêem o seu desgosto.
Avesso a galardões, recusa em 1954 o prémio "Almeida Garrett".
São-lhe entretanto atribuídos vários outros. Em 1976 o "Prémio Internacional de Poesia" de Knokke-Heist e, alguns anos mais tarde, o "Prémio Montaigne", da Fundação Alemã F.V.S. Dos nacionais, entre outros, recebe em 1989 o "Prémio Camões", o "Prémio Personalidade do Ano" (1991) e, no ano seguinte, o prémio "Vida Literária" da Associação Portuguesa de Escritores, na sua primeira atribuição. Havia já recebido em 1969 o prémio literário "Diário de Notícias" e, em 1980, ex-aecquo com Carlos Drummond de Andrade, o "Prémio Morgado de Mateus". A capacidade criadora de Miguel Torga manter-se-á até próximo da morte, que irá ocorrer em 1995.
OBRA
A sua produção literária é muito vasta e variada.É grande o volume de poesia - sem contar aquela que tantas vezes surge nos Diários - onde, também em III, nos diz: "Preferi às vezes pôr um poema onde devia estar um insulto".
Como poeta estreia-se com Ansiedade (1928), seguindo-se, entre muitos - O Outro Livro de Job (1936), Odes (1946), Alguns Poemas Ibéricos (1952) (nos quais se realça Sagres - História Trágico-Marítima - entre aqueles que celebrizam grandes figuras nacionais e peninsulares - aqui particularmente escritores e pintores - numa vaga reminiscência da Mensagem), Penas do Purgatório (1954) e Orfeu Rebelde (1958).
Na obra de ficção que começa com Pão Ázimo (1931), é de distinguir A Criação do Mundo (1937), Bichos (1940) e, neles, tantos momentos de criação artística que não receia confronto com qualquer prosador da nossa literatura. Montanha (1941), Rua (1942), Contos da Montanha (1941), Novos Contos da Montanha (1944), são mais momentos da ficcão em prosa, além de outros.
E em prosa tem um lugar de relevo o seu Diário - em dezasseis volumes - onde o poeta lírico da terra, do homem, do eu, caminha a par do prosador culto, cavaqueador, comunicativo, com o seu toque de ironia em tantos momentos de crítica; - Diário IV (96-99) e Diário V (158) - a propósito da poesia de Junqueiro, enuncia os seguintes juízos de valor: "Simplesmente a poesia verdadeira é outra. Depois da experiência de Cesário e de Nobre, fazer daquilo, já era trágico; mas depois de Pessanha, de Sá-Carneiro e de Pessoa, amar aquilo é imperdoável."
Porque tão prolífero, se compreende que os vários tipos de discurso se misturem nesta obra de natureza autobiográfica tão longe do característico diário romântico, como diz em determinado momento do Diário III, embora fortemente marcada pelo seu eu, como se disse. Reconhece, porém, que no seu Diário "há muita literatura".
Tanto em Diário como nas outras obras Torga revela-se tal como se caracteriza no texto datado de Lavadores, 12 de Agosto, do Diário III - "Mas a minha fraqueza maior é não poder desprezar ninguém, mesmo os próprios inimigos... Sofro por eles... Somos todos elos de uma grande corrente, e é pelos ferrugentos que ela pode quebrar..." - "afirmativo demais, puritano demais, uno demais, apesar de uma timidez confrangedora, duma aceitação natural da volúpia e de uma dispersão aflitiva a cada instante..." são alguns dos vários traços que nos oferece de si próprio no texto referido. Assim se compreende que Miguel Torga seja um independente no mundo literário. Não tem escola. É uma afirmação de verticalidade, na universalidade em que o seu eu se projecta.
Como escritor dramático foram publicadas três obras entre 1941 - Terra Firme e Mar e 1949 - O Paraíso.Em qualquer das formas literárias em que se tem revelado a sua singular sensibilidade de homem e de artista perpassa sempre o homem que a si próprio se foi retratando no pessoalíssimo Diário e no romance autobiográfico - A Criação do Mundo, o homem que em Ambição (Diário X) diz que o seu canto - "Cada vez deseja ter / Mais força de inspiração, / Mais poder de encantação, / Mais livre de sinceridade. / E ser, nessa liberdade, / Hálito de comunhão / Do mundo, da humanidade."
sábado, 7 de fevereiro de 2009
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